Após dois meses começam a apertar as saudades de casa. Não do apartamento arrendado que deixei, mas das pessoas, das minhas pessoas, que esforço por integrar nesta odisseia, mas cujas palavras me faltam para transmitir todas estas sensações.
É verdade que a adaptação foi bastante fácil - não sou de grandes confortos e luxos, adaptando-me rapidamente a diferentes contextos, pelo que quase não senti a escassez de serviços e de tantos bens para que me alertavam os demais. A dupla insularidade relembra-me a viver mais humildemente e em maior coerência com os meus interesses e convicções. Há alguns anos que trabalho na área da sustentabilidade e, a pouco e pouco, vou sentindo necessidade de mudar a minha vida, nomeadamente os meus hábitos de consumo. Sim, porque cresci numa sociedade privilegiada, solidária mas também egoísta, no sentido em que pouco ou nada se preocupava com a limitação de recursos ou a preservação do planeta. Felizmente os tempos mudaram: as crianças ensinam os pais que um simples gesto de separação de resíduos pode fazer a diferença; os adolescentes começam a escolher produtos, marcas e empresas que sigam boas práticas ambientais e sociais; os jovens adultos exploram o empreendedorismo para deixar a sua marca no mundo.
E, quando vivemos num contexto isolado como este - onde a reciclagem per si é ainda muito reduzida, face ao investimento necessário -, a reutilização e recuperação de resíduos ganham maior expressão. Os produtos têm sete vidas, como os gatos, seja nos brinquedos e utensílios do dia a dia seja nos pequenos negócios locais incentivados pelas ONG e líderes comunitários, numa missão conjunta #zerodesperdício. Falei há pouco na alteração de hábitos de consumo... A redução da minha pegada ecológica, como de tantos outros expatriados que por aqui passam, começa por manifestar-se na redução da quantidade de plástico que trazemos para cá, por exemplo, nos produtos de higiene. É incrível como já há alguns anos que ouço falar em champôs em barra e venda a granel, mas a azáfama da vida citadina que levava ainda não me tinha permitido parar para explorar. Hoje, sinto-me mais consciente e responsável, começo a agir em conformidade com o que defendo e isso faz-me sentir bem (sem extremismos, claro;)).
Mas não era sobre isto que vos queria escrever hoje. A minha partilha de hoje reflecte outras preocupações sociais, que me assombram à medida que vou descobrindo e conhecendo as comunidades e suas populações. Neste paraíso natural nem tudo são rosas e a segurança que atrai o turismo não é para todos. Não há criminalidade, é certo, mas há muita violência entre os locais. Seja em casa ou até mesmo nas ruas, em cadeia, para com as mulheres, os filhos e os cães. São um povo muito aceso e os desentendimentos escalam com facilidade para gritos e agressões. A sociedade é muito machista e a fidelidade é apenas para as mulheres, que devem submissão e respeito aos seus maridos. Embora a poligamia não seja assumida como noutros países, tudo se sabe e os homens nada fazem para esconder as suas atracções e diversões paralelas. Todavia, ai da mulher que ouse sequer olhar para outro homem.
Por outro lado, o seu calor característico fá-los perder a noção dos limites, ignorando situações de incesto e violência sexual, seja por questões de idade ou ausência de consentimento, seja inclusive por laços familiares próximos. Chamam-lhes "catorzinhas" e parte-me o coração conhecer esta realidade em pleno século XXI.
Como é possível tolerar este comportamento, ainda mais com crianças? Será que não lhes ocorre o respeito pela dignidade humana? Já se ouve, pelo menos em conversa comigo, quem discorde, mas a norma continua a ser esta. Será esta a única forma de organização social que conhecem? Faz-me pensar em regimes ditatoriais, em que os países estão desligados da sociedade envolvente. Nem sou de causas feministas, mas aqui acredito plenamente na necessidade imperativa da capacitação das mulheres para a interrupção deste ciclo vicioso. Mulheres informadas e valorizadas saberão impor o respeito pela sua condição, educando e formando rapazes e raparigas também eles, por sua vez, mais informados e respeitadores. A capacitação aberta das raparigas e das mulheres como programa social prouz dois efeitos essenciais: primeiro, que elas saibam; segundo, que todos saibam que elas sabem. E assim que o intolerável acaba e as coisas mudam.
Como é possível tolerar este comportamento, ainda mais com crianças? Será que não lhes ocorre o respeito pela dignidade humana? Já se ouve, pelo menos em conversa comigo, quem discorde, mas a norma continua a ser esta. Será esta a única forma de organização social que conhecem? Faz-me pensar em regimes ditatoriais, em que os países estão desligados da sociedade envolvente. Nem sou de causas feministas, mas aqui acredito plenamente na necessidade imperativa da capacitação das mulheres para a interrupção deste ciclo vicioso. Mulheres informadas e valorizadas saberão impor o respeito pela sua condição, educando e formando rapazes e raparigas também eles, por sua vez, mais informados e respeitadores. A capacitação aberta das raparigas e das mulheres como programa social prouz dois efeitos essenciais: primeiro, que elas saibam; segundo, que todos saibam que elas sabem. E assim que o intolerável acaba e as coisas mudam.
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